Brasil

Entenda tecnologia usada pela PF para identificar se ouro foi extraído ilegalmente de reservas indígenas

A Polícia Federal (PF) aposta na tecnologia para identificar se amostras de ouro apreendidas foram extraídas ilegalmente de reservas indígenas no Brasil. A busca pelo “DNA do ouro” foi realizada com o auxílio do Sirius, superlaboratório atua como uma espécie de “raio X superpotente”.

A ação inédita no país visa ampliar medidas de rastreabilidade para combater a extração e o comércio ilegal do metal que avança em terras indígenas e unidades de conservação.

Agentes da PF de Brasília (DF) estiveram no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), onde 57 amostras de ouro, muitas delas com suspeita de origem ilícita, foram analisadas com auxílio do acelerador de partículas.

Entenda abaixo como são realizados os trabalhos:

‘DNA do ouro’
O trabalho realizado com auxílio da mais complexa estrutura científica do Brasil conta com a participação de pesquisadores de quatro universidades, entre elas a USP, e busca identificar de onde esse ouro foi extraído.

“O ouro é ouro, mas dependendo de onde ele foi formado, carrega impurezas de maneira distinta. Quais são as impurezas, a quantidade dessas impurezas e o entorno delas trazem informações do local onde aquele ouro foi formado. E o Sirius consegue enxergar exatamente, em altíssima precisão, esses elementos estranhos à pepita de ouro”, explica Antônio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM.

Segundo o Instituto Escolhas, organização que investiga as operações ilegais de ouro no país, o volume chega a 54% da produção nacional – em 2021, foram 52,8 toneladas de ouro “com graves indícios de ilegalidade”.

Rastreabilidade do ouro

O resultado da análise realizada nos Sirus, que deve ficar pronta em até dois meses, será comparado com o banco de dados que a Polícia Federal tem desde 2021 – o Banpa (Banco Nacional Forense de Perfis Auríferos).

“O que tem aqui disponível de ferramenta vai melhorar em um nível excepcional nosso banco de dados. E a gente busca de fato esse tipo de resposta para analisar aquele elemento que muitas vezes não consegue analisar com os equipamentos que temos à disposição. Isso vai melhorar muito o nosso ritmo de análise, a qualidade do nosso dado gerado dentro dos laudos”, pontua Erich Adam Moreira Lima, perito da Polícia Federal.
Os materiais analisados são de diversos locais do Brasil, explicam os peritos da PF. O trabalho atua em duas frentes, uma associada ao local de origem, como terras indígenas, onde são coletadas amostras de referência, e também com materiais com questionamento sobre possível origem ilícita.

A expectativa dos pesquisadores, no entanto, é criar um sistema eficiente que possa identificar a origem do metal mesmo depois de processos como fundição e fabricação de joias, por exemplo.

“A utopia do programa Ouro Alvo é conseguir determinar se o ouro de uma mina pode ser rastreado até uma joia. Se nós conseguirmos chegar a isso, eu acredito que a sociedade do mundo todo vai ganhar com isso”, afirma Fábio Salvador, pesquisador da USP.
‘Fundamental’
Para Larissa Rodrigues, pesquisadora do Instituto Escolhas, esse avanço na análise e identificação de amostras de ouro é “fundamental” e se relaciona com uma medida prevista em projeto que tramita no Congresso Nacional com regras para controlar o comércio de ouro no Brasil.

Uma delas é criação de uma Guia de Transporte e Custódia de Ouro, em que o documento é emitido pelo vendedor para transportar o metal até uma instituição financeira, e unidades comercializadas sem a guia ou com informações inverídicas poderão ser apreendidas.

“Se a Polícia Federal intercepta uma carga e faz a análise, e identifica que aquele ouro não corresponde com a documentação, que a origem é diferente, isso é uma prova criminal para que o infrator seja responsabilizado, o que hoje não existe”, enfatiza a pesquisadora.
Larissa Rodrigues, pesquisadora do Instituto Escolhas, aponta impactos da extração e comércio ilegal de ouro no Brasil — Foto: Anna Carolina Negri/Arquivo Escolhas

Problema se agravou

Segundo Larissa, a extração ilegal é um problema antigo que se agravou nos últimos anos. Entre 2012 e 2022, ela explica, a área dos garimpos dobrou de tamanho na Amazônia. “E começamos a ver de fato os impactos”, reforça.

A pesquisadora aponta três pontos cruciais para essa expansão acelerada na última década, que envolvem o uso de máquinas pesadas na abertura de novos garimpos, legislação conivente e a alta do preço do ouro no mercado internacional.

“Por volta de 2012, os garimpos foram se capitalizando e começaram a usar retroescavadeiras. Antes, para abrir uma área de garimpo, levava um mês. Com isso, caiu para uma semana. Já em 2013, a lei da presunção de boa-fé criou um sistema de proteção a essas operações, em que qualquer pessoa podia vender ouro. E outro fator que foi acentuado com a pandemia foi a valorização do preço do ouro no mercado internacional, um estímulo muito forte para uma ação que é muito lucrativa”.

Em maio de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, suspendeu a chamada presunção da “boa-fé” no comércio de ouro. E o projeto que foi aprovado Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado também acaba com a medida.

Sirius

Considerado o principal projeto científico brasileiro, o Sirius é um laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, que atua como uma espécie de “raio X superpotente” que analisa diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.

Como funciona o Sirius? Para observar as estruturas, os cientistas aceleram os elétrons quase na velocidade da luz, fazendo com que percorram o túnel de 500 metros de comprimento 600 mil vezes por segundo. Depois, os elétrons são desviados para uma das estações de pesquisa, ou linhas de luz, para os experimentos.

Esse desvio é realizado com a ajuda de ímãs superpotentes, e eles são responsáveis por gerar a luz síncrotron. Apesar de extremamente brilhante, ela é invisível a olho nu. Segundo os cientistas, o feixe é 30 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de cabelo.

O Sirius faz parte do CNPEM, organização privada sem fins lucrativos que atua sob supervisão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), operando quatro laboratórios nacionais (biociências, biorrenováveis, nanotecnologia e luz síncrotron), e que vai construir e operar o Orion, laboratório de biossegurança máxima (NB4) de R$ 1 bilhão único no mundo.

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