Não há, no Brasil, delinquentes mais perigosos do que os integrantes da organização criminosa chefiada por Jair Bolsonaro
São assombrosas as informações surgidas da nova operação da Polícia Federal para investigar a transformação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em um aparelho clandestino de espionagem de adversários e autoridades durante o mandato de Jair Bolsonaro.
A grande novidade diz respeito à existência de uma gravação, ainda mantida em segredo de Justiça pelo condutor do inquérito, o ministro do STF Alexandre de Moraes. Encontrada em computadores de Alexandre Ramagem, a gravação registra uma conversa em agosto de 2020 em que Bolsonaro autoriza o uso da Abin como auxiliar na eliminação de obstáculos para a defesa de seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), envolvido no caso das chamadas “rachadinhas”.
Bolsonaro usou o órgão de inteligência para espionar juízes, parlamentares, funcionários e jornalistas em ataque às leis, à Constituição e ao interesse do país. A utilização da Abin ganha, com as investigações da Polícia Federal, uma concretude antes não evidenciada. Torna explícita a condição do presidente como chefe de uma quadrilha, agravando seu futuro penal.
Ao recorrer à Abin como aparato pessoal de vigilância, perseguição, chantagem e ameaças de todo tipo, Bolsonaro valeu-se, ademais, de recurso típico de um regime autoritário.
O ex-presidente, afinal, nunca ocultou seu caráter de assassino das liberdades e cultuador de torturadores. Usar a arapongagem da Abin guarda coerência com o plano de uma virada de mesa, sendo na verdade já o próprio golpe em andamento. Por óbvio, Bolsonaro já no ano seguinte à sua posse fazia funcionar uma máquina de violação dos direitos individuais, usando o Estado para vigiar e coagir funcionários e Poderes da República. O ovo do golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023 vinha sendo chocado muito antes.
Bolsonaro, Flávio, uma das advogadas deste, Ramagem, o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, discutiram na reunião gravada por Ramagem em agosto de 2020 formas de usar a Abin para “descobrir os podres” de auditores da Receita Federal encarregado do relatório que envolveu Flávio Bolsonaro no crime das “rachadinhas” na Assembleia do Estado do Rio.
No áudio mantido em segredo, Jair Bolsonaro, o general Heleno e possivelmente a advogada de Flávio, examinam, segundo o relatório da investigação da Polícia Federal, maneiras de desacreditar o trabalho de funcionários públicos que exerceram seu dever de apontar depósitos e retiradas suspeitas em benefício do então presidente.
A gravação oculta da conversa, de acordo com a Polícia Federal, teria sido feita pelo próprio Ramagem, o que suscita a indagação sobre os desígnios que levaram o então chefe da Abin a se acautelar contra o próprio presidente da República incumbente. Pelo que foi informado, Bolsonaro enfureceu-se com Ramagem ao saber, agora, da gravação. Declarou que manterá apoio a Ramagem, seu candidato indicado à Prefeitura do Rio. Seria de surpreender se verbalizasse o oposto. Ramagem pode ser depositário de outras bombas. Se já gravou e escondeu, do que mais dispõe e pode vir a revelar?
Na verdade, Ramagem é um criminoso que aplicou ao “capo” o expediente que realizava a mando dele contra outros. O fato de ter gravado denota o teor das reuniões. É um escândalo.
Há profusão de evidências de que Bolsonaro e Heleno têm índole meios e agentes para sabotar as apurações de seus crimes. Para o prosseguimento das investigações de maneira profissional e técnica, impõe-se a detenção dos dois comandantes dessa organização criminosa para subverter o âmago das instituições democráticas.
É gravíssimo, aliás, que estas não reajam à altura do ataque de que foram alvo. A prisão dos cabeças dessa facção é premissa para que as autoridades possam chegar a todos os envolvidos. Sua punição constitui um dever diante do país, exposto por eles a perigo máximo.